quinta-feira, 27 de agosto de 2009

do outro lado da rua.

ou do outro lado da porta, da janela, da esquina, da parede, do mundo.


Sarah acordava todo dia 05:08, preparava o café na cafeteira e enquanto a cafeteira fazia seu serviço Sarah tomava um banho de precisamente 10 minutos. Todos os dias o mesmo uniforme azul marinho, os mesmos sapatos de salto alto, o mesmo perfume Victoria Secret’s, o mesmo coque perfeito nos cabelos e o mesmo rosto bonito sem maquiagem. Tomava café enquanto assistia o noticiário na TV, depois de terminar as duas xícaras de café sem açúcar, desligava a TV e olhava pra rua pela janela da cozinha, via o reflexo de sua vida naquela janela todo dia, uma vida apática e solitária. Saia do seu apartamento 06:10 e andava até a estação de metrô, entrava no 4º vagão do metrô que passava 06:25, ficava em pé e ali pensava durante 20 minutos. E nesses 20 minutos Sarah pensava no rapaz que ela observava da janela, o rapaz de cabelos pretos curtos meio bagunçado que morava do outro lado da rua, que toda noite sentava-se na sala de costas pra janela, ouvia duas músicas de bandas alternativas (que Sarah pesquisou na internet e sim, ela gostou das bandas) enquanto tomava uma taça de vinho tinto, depois disso o rapaz saia fechando as cortinas da casa e se deitava precisamente às 23:47 toda noite. Sarah sorria quando o rapaz cantava as músicas que ouvia, balançando a cabeça. E enquanto o rapaz dormia, Sarah sentava-se de costas pra janela, lia algum livro enquanto roia as unhas e sim, sonhava com o rapaz do outro lado da rua todos os dias.

Enquanto Sarah pensava, as pessoas do 4º vagão do trem a olhavam e pensavam “pobre menina, tão linda e sem nenhuma aliança na mão”, “tão gata e com olhos tristes” ou “um dia ela será feliz?”, só que as pessoas naquele vagão não sabiam que Sarah gostava do rapaz do outro lado da rua, aquele que ela nunca iria trocar uma palavra ou ver sem ser pela sua janela e nem eles e nem Sarah sabiam que o rapaz estava ali no mesmo metrô, no 6º vagão, pensando em Sarah.

Dan acordava todo dia 05:12, tomava banho de 10 minutos, vestia os jeans clássicos, a camiseta xadrez ou branca por baixo do casaco preto, os velhos tênis, o mesmo Mont Blanc todo dia e o mesmo cabelo preto curto meio bagunçado. Saia de casa 06:05, comprava um café na cafeteria da esquina, se distraindo lendo o jornal e saia correndo pra pegar o metrô que passava 06:25, ficava em pé, espremido na porta e ali, nesses 30 minutos de viagem Dan pensava. Pensava na moça de cabelos longos castanhos que morava do outro lado da rua, que toda noite sentava-se de costas pra janela e lia um livro enquanto roia as unhas e deitava-se todas as noites 00:33, todas as noites depois de beber uma taça de vinho, ele fechava as cortinas e olhava discretamente a moça que morava do outro lado da rua, e ficava fascinado quando ela chorava lendo o livro ou quando suspirava quando o livro acabava.E quando ela dormia, ele sonhava com ela, todas as noites.

Enquanto Dan pensava as pessoas do 6º vagão-principalmente as mulheres- o olhavam e pensavam “pobre rapaz, tão lindo, solteiro” , “será que ele é solteiro, será que se eu sorrir ele vai vir falar comigo?” ou “vai morrer sozinho?”, só que pessoas não sabiam que Dan gostava da moça do outro lado da rua, aquela que ele nunca teria coragem de observar sem ser a noite ou seguir seus passos pela cidade. E nem Dan e nem as pessoas sabiam que a moça estava ali no metrô, no 4º vagão, pensando em Dan.

Dan e Sarah nunca se encontravam, ela acordava 4 minutos mais cedo que ele e ele tomava café na cafeteria da esquina, e quando Sarah passava ele estava de costas pagando o café. Sarah entrava no 4º vagão e Dan corria e entrava no 6º era vagão, nunca se encontrando, nunca criando coragem pra descobrir qual o apartamento dele ou o dela, sempre pensando “ele nem deve saber que eu existo” e “ela nem deve saber que eu existo”.

E do mesmo jeito que Sarah pensava e sonhava com ele, Dan pensava e sonhava com Sarah, imaginavam o que o outro gostava de comer, como seria acordar ao lado um do outro, como seria a mãe deles, imaginavam feriados juntos, filmes vistos juntos, noites juntos, a mesma cama, a mesma comida, a mesma vida. Ela pensava que ele poderia ouvir música na sua sala enquanto ela com a cabeça no colo dele lia algum livro. Ele pensava que ela poderia ler algum livro com a cabeça no colo dele enquanto ele bebia uma taça de vinho, sem se importar com o resto do mundo, só naquele momento.

E todas as noites ele pensava nela, e todas as noites ela pensava nele, e sem saber, Sarah e Dan mantinham um relacionamento, ela no 4º vagão e ele no 6º, do outro lado da rua por janelas.

Priscila V.

[ o relógio marca 15:56, calorzinho bom no quarto, regina spektor pra alegrar(?) o dia, a risadinha do primo esquenta o coração e um pote de paçocas devorado em 20 minutos faz bem pra alma]

Stay beautiful

Regina spektor_ Just like the movies.

2 comentários:

Jessy McLovin disse...

Priscila do caralho! ¬¬' Cade o fim da história. É quase desumano deixa-lá assim... Ficou tão legal...mas deixa a nossa imaginação voar em outro post e coloca logo um fim nesse !!!

Gui Paiola. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.